Phantom Thread - o cinema em estado de arte

Daniel Day-Lewis e Vicky Krieps contracenam em Phantom Thread

Daniel Day-Lewis é ou era - se levarmos à letra a sua intenção de se retirar do mundo da representação - um dos melhores atores que o grande ecrã conheceu. Para os seus grandes desempenhos contribuem certamente o estudo intenso das personagens que vai interpretar, bem como o tremendo esforço prévio que faz por se colocar sob a sua pele. Phantom Thread oferece-nos mais uma grande performance do ator britânico, ainda que muitos afirmem que este não esteve no seu melhor. Em relação a isto há que dizer que um Day-Lewis regular continua a estar destacadamente acima da média.

Esta referência inicial ao ator que "veste" Reynolds Woodcock é motivada pelo facto de a película de Paul Thomas Anderson ser um sublime retrato de uma relação obsessiva entre dois seres humanos que se encontraram um no outro e, como tal, ter na qualidade das interpretações o fator crucial para o seu sucesso. Mas não se faria justiça se não se destacasse o lado feminino do par de protagonistas. E, de facto, Vicky Krieps merece uma ampla menção honrosa pela sua prestação. Creio mesmo que esta lhe teria justamente valido uma nomeação para o Oscar de melhor atriz - não suficiente para bater Frances McDormand.

O ar cândido que Krieps empresta à sua Alma, ao mesmo tempo que consegue trazer aquele sorriso maroto de quem está a esconder um plano mais arrojado tornaram a sua interpretação muito convincente e uma correspondência para mestria de Day-Lewis a roçar a perfeição. Para mim, que ainda não me havia cruzado com ela anteriormente, fiquei absolutamente convencido e perspetivo-lhe uma boa carreira. Neste ano, será possível vê-la em The Girl in the Spyder's Web, uma adaptação do livro homónimo de David Lagercrantz, quarto volume da Saga Millennium - iniciada por Stieg Larson.

É na relação de forças entre um homem obsessivo -  que tem a sua mãe como grande referência ao ponto de não encontrar mulher que a suplante - e uma jovem cândida - mas mais perspicaz do que parece, determinada a mostrar a esse homem que é importante para ele - que o filme se baseia. E isso é retratado de forma tão sublime que a película se torna uma verdadeira obra de arte (e não só pelo guarda-roupa). Em Phantom Thread, a preocupação não é construir um argumento intrincado e cheio reviravoltas, mas sim retratar o quotidiano da relação entre dois seres humanos plenos de virtudes e  fragilidades.

O filme consegue evidenciar muito bem os momentos de tensão, motivados pela força e pelos distúrbios das personagens, bem como as discussões e o desânimo, fazendo mesmo pensar que Reynolds e Alma não teriam qualquer futuro a dois. Mas, a grande lição que poderemos retirar é a importância de se perceber que papel devemos ocupar na vida do outro, se com esse outro queremos ficar. E se esse outro tem vários transtornos, complexos e obsessões, as formas usadas para conquistar o seu amor e atenção podem assumir contornos mais ousados.

Paul Thomas Anderson está, por isso, de parabéns pela realização desta obra de arte e, não tendo visto The Shape of Water ainda, arrisco dizer que, na categoria de melhor realizador, talvez merecesse mais. As filmagens estão muito boas, centrando-se no mais importante, captar as expressões faciais dos atores, bem como em transportar os espectadores para o mundo da alta costura na sociedade britânica dos anos 50.

Classificação 9*

**Como pequena nota, tendo visto The Darkest Hour e Phantom Thread, continuo a considerar justa a atribuição do Oscar a Gary Oldman, como havia antevisto em http://jcaparreira.blogspot.be/2018/01/the-darkest-hour-e-o-oscar-de-melhor.html. Não haverá lugar, neste artigo, a uma justificação disso, mas gostava de deixar aqui a questão e, eventualmente, lançar o debate: quais os papéis que merecem maior reconhecimento? Personagens novas e construídas, muitas vezes, pelos próprios atores ou representações de figuras históricas e conhecidas por todos?


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